1.8.07

A nossa tragédia

M!C - Movimento de Intervenção e Cidadania: "Está à vista desarmada que a sociedade portuguesa vive numa atmosfera de temor, caucionada pelo desemprego, pelo trabalho precário, pelo custo da vida, pelo incentivo à delação, pelo desprezo com que se trata os nossos velhos, pela recusa da esperança, pelo sombrio horizonte do futuro, pelo ataque indiscriminado ao Serviço Nacional de Saúde, pelas obscenas desigualdades sociais não só traduzidas no desespero e na angústia quotidianas como pelas afrontosas reformas auferidas por 'gestores' públicos - e mesmo privados. O medo cobre as situações que acabo de evocar. E esta 'cultura' do PS não provém de linguagens intraduzíveis umas das outras: resulta de um conflito generalizado, aberto ou latente, mais ou menos violento nascido na década de 80, com o 'cavaquismo'.

O artigo de Manuel Alegre falava da necessidade de uma visão social que rejeite as humanidades separadas. Essa civilização do universal, de que tem sido paladino, apela no sentido dos valores e dos territórios transculturais. Não creio que José Sócrates tenha conhecimentos suficientes para entender o que, depreciativamente, designa de um 'clássico' periódico. Não é tão-só problema dele. É a nossa tragédia."


DISCURSO SOBRE O MEDO
[Baptista Bastos, Público, 01-08-2007]

Quem o diz

Já houve quem se escandalizasse por eu próprio fazer afirmações do tipo que a seguir transcrevo. Se os actuais dirigentes do PS soubessem ler, esse ler maiúsculo que permite transpor as barreiras do escrito literal, teriam vergonha perante o facto de um moderadíssimo socialista se ver compelido a fazer as afirmações que transcrevemos parcialmente:

"O PS tem a alma a definhar. Ainda tem força interior, mas está disseminada por uns miilhares de militantes sem voz. O partido está a perder alma e identidade. A continuar assim, não pode chamar-se socialista, tem de mudar de nome."
[...]
Há novas formas de opressão, a própria União Europeia é uma congregação de multinacionais que têm no Conselho e na Comissão os seus representantes. O que resta da utopia socialista é o Estado Social. Por isso, é importante defendê-lo.
O socialismo é encurtar diferenças sociais e reduzir desigualdades. No fundo, mudar a vida.
[para melhor, depreende-se]
[...]
Mesmo havendo circunstâncias atenuantes, a prática do PS não está à altura da sua responsabilidade. Ao reclamar-se socialista, assume um legado histórico e deve ser fiel a ele.
[...]
Sempre fui moderado no PS. Hoje estou na extrema-esquerda e sou o mesmo! O partido
desviou-se tanto para a direita que, porventura,até estarei quase a sair [risos] ...
[...]
Como descreve a geração que está no poder?
É um produto das circunstâncias. Noto falta de cultura cívica. É gente sem reflexão sobre os comportamentos, a arte, a literatura e a história do nosso povo. A cultura é uma sabedoria que se recolhe da experiência vivida. Muitos deles não têm uma ideia para Portugal, não conhecem o País. Vivem do imediatismo, da conquista do poder. Conquistado, vivem para aguentá-lo. Esta geração vale-se mais da astúcia do que da seriedade. E aprendeu os ensinamentos de Maquiavel.
[...]
O que sente quando olha para o Parlamento?
Uma grande preocupação pelo futuro da democracia. Aquilo deveria ser o lugar de uma elite moral e intelectual. Mas para isso era preciso que as pessoas do povo fossem as «pedras vivas» de que falava António Sérgio. No meu romance autobiográfico, que sairá em Setembro, chamado Rio de Sombras, há um tipo que tem uma filosofia chamada Pantrampismo ...
[...]
Não há marcas de esquerda neste Governo. Essas deviam estar no terreno social mas, como já vimos, os direitos sociais estão um pouco proscritos. Não considero uma marca de esquerda ter promovido o referendo ao aborto, apesar de ter votado sim. Marca de esquerda era cumprir a democracia política, social, económica e cultural.
Dentro do Estado Social o direito à Saúde é fundamental. E aí as marcas não são de esquerda ...
[...]
O PS faz reformas que não devia. Se a direita fosse poder, não teria coragem de atacar o Serviço Nacional de Saúde [SNS] como o PS. E o PS, na oposição, não deixava!
[...]
Uma das formas de atacar o SNS é acabar com as carreiras médicas e transformar os funcionários públicos em assalariados por contrato individual.
Flexigurança, está a ver? Entretanto, anunciam-se grandes investimentos nos privados. Esses grupos só investem porque sabem que a política actual conduz ao definhamento do SNS. Voltamos ao tempo de Salazar, com uma diferença: não é preciso o atestado de indigência para ter atendimento gratuito.

António Arnaut in Visão de 26/07